Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Do amor e suas tragédias

Discreto, era viúvo. Camilo, enquanto semblante, exalava tristeza.
Na cidade todos sabiam e entendiam seus modos, e por vezes determinavam seu fim. Sabiam do amor e suas tragédias.
Quando sua filha ainda era pequena, cultivou um costume que se perdurou pelos anos. No meio de qualquer tarde, no marasmo de algumas horas, colocava sua filha para dormir. Contava histórias benéficas sobre o sono vespertino e dizia, que até mesmo quando se tinha pesadelos, esses serviam para expantar os males e medos enquanto o corpo descansava.
Enquanto sua filha dormia, Camilo chorava honrosamente à imagem de Nossa Senhora, chorava a saudade de sua esposa, a ausência como certa, durante sua oração voltava a vê-la.
Os anos se passaram e os hábitos de sua filha mudaram, os dele não. Ela sabia que não deveria o incomodar nas horas da tarde, nos momentos de sonho e oração. Respeitava a vocação do pai, respeitava a razão de um infinito amor, via na solidão a fidelidade almejada.
Quando Camilo faleceu, numa viagem simbolizada nos anos anteriores, sua filha preferiu a evocação distorcida dos sonhos. Dormiu disfarçadamente diferente. Seguiu dias orando e sonhando uma vida distante e peculiar.
Entendia do amor e suas tragédias.

domingo, 22 de agosto de 2010

Brisa

Na tarde de domingo, pela janela esquecidamente aberta, uma brisa se sente segura para adentrar por entre os espaços vãos da janela. Repousa sobre as flores de plástico, no vaso, na mesa de jantar, silenciosamente num estar.
Na decorrência de uma brisa, outras brisas se juntam, e juntas já não são mais brisas. O jeitoso pousar da antepassada brisa não permanece. Papéis soltos na mesa e de outros pápeis, que quando juntos não eram soltos, circulam num cenário rodopiante, numa festa íntima infantil repleta de euforia. As brisas renovam a paisagem de um dia e o modo de conduta é o vento.
Na passagem, o vaso permanece impávido ao movimento dos ares. No centro (que deveria ser natural) as flores não se refrescam na brincadeira vespertina. Pelo infortúnio de serem de plástico, não se comportam de forma natural, apenas observam, mortas.
A diversão de minutos incontáveis faz os papéis percorrerem a amplitude da mesa, o vazio da gravidade e do chão. As flores observam a progressão natural que não possuem. Quando as folhas, sossegadas na exatidão do chão, se fingem de mortas, não se sabe se a brisa continua a tocar.
O ambiente se modificara em feito.
A bela imagem, percorrida pela brincadeira dos naturais, decrita pela passagem da tarde, não fora vista por ele. À noite, ao chegar em casa, o que se viu foi a bagunça.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Desculpas.

Perdoe meu atraso na correspondência, mas me faltava e ainda falha a fala para tratar sobre o assunto. Perdoe minhas palavras que podem parecer sobrecarregadas, mas não sinto mais o peso do ar em meus dedos e lábios, me falta um fôlego quando cada vez mais, mergulhado num profundo silêncio, volto à superfície. Acordo rodeado por palavras de apoio e firmamento que soam semelhantes, pragmatizadas em vozes conhecidas. Um distúrbio que ainda não sei se meu ou alheio.
Devo dizer que ainda não senti sua total partida, dizem que isso passa ou não passa, dizem. Nem isso tenho o prazer de escutar com atenção. Logo me desvio para um lugar distante, um lugar não alcançável em minha memória. Tenho receio de sentir sua falta e não me lembrar de momentos mais frágeis de nossa relação, esquecer do que foi parte de meu aprendizado para poder justificar a loucura de minhas análises.
Sei que dirá que tenho um anjo só para mim, me olhando, orando e cuidando de mim, como me disse na vez maternal e anterior. Para ser sincero, estou farto de anjos. Minha vida se tornou guardada apenas pelos que foram, não resta à mim ninguém aqui. Serei apenas o exemplo do máximo que eu poderia ser, ninguém esperará de mim mais do que eu posso oferecer, nem menos do que posso retribuir.. Tudo será razão de meu destino, minhas ações serão julgadas diretamente sobre as regras familiares não plausíveis mudança. Serão frequentes as advertências além referenciadas.
Assim devo ir. Tenho de traçar algumas medidas de meu futuro, antes que os céus se revoltem novamente e mirem em meu lugar. Não haverá outro quem.
Sinto que esteja distante e também sinto sua falta. As escolhas geram esses tipos de desprazeres.
Até breve.

domingo, 1 de agosto de 2010

Ela não quer as suas qualidades

Pode tentar, o prazer é todo seu. Saiba, apenas, que ela não quer as suas qualidades. Nem agora nem após. Nunca.
As noites de hoje não tem importância, talvez. Um coração traído remete o perdão, mas nunca o adquire. Saberá no amanhã, se assim continuar.
Nas manhãs que virão, ela não reservará uns minutos para lhe observar, ela não saberá seu prato favorito nem a música de sua autoria. Ela só quer o desejo de ser desejada.
Ela não caíra em distinto pranto quando der a hora de partir, nem nunca quererá saber os motivos de seus atrasos. Ela só quererá o saber de um próprio querer.
Quando um dos dois envelhecer, pior será o assim. As palavras não convergeterão em conclusões, as respostas vagarão longe. Fará parte de um vazio, a que chamará de instinto de culpa.
Seus serviços não serão dignos de um olhar, ela não saberá qual o tamanho de suas obras. As realizaçõe serão só suas. (parabéns)
Ela não saberá de cor os caminhos de seu corpo, ainda ardente pela manhã que teima dia-a-dia.Ela não soprará uma brisa leve em seu ouvido em descanso para que acorde sem malícia e marejado.
Não saberá dizer bom dia ou boa noite sem parecer rotineira, será um eterno querer desprovido de boa vontade, assim saberá e assim não irá mais querer.
Ela não dirá, da boca pra fora, motes amorosos ou odes odiosas, guardará para o velório os sentimentos corrompidos e desprovidos de poesia. Lá, você não perceberá.
Não irá lhe dizer o certo e lhe esconder o errado. Não cuidará de você, mesmo quando não estiver doente. Ela será um detalhe, fatalmente esquecido. Acredite.
Somente sendo assim, saberá ser amado.