Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Conclusões regionais

Na véspera do nascimento do terceiro filho, a certeza de uma homenagem anunciada.
O primeiro foi André, seguido de Bernardo. No dia que viria, a completa manutenção de uma promessa, a denominação de Caetano para completar um ciclo de aspectos familiares, econômicos e sociais.
Porém, no dia seguinte, qual a surpresa de pais e irmãos. Na manhã fria de Agosto, graças a um engano médico, quem nascia era Diadema.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A vida de uma alface violada

Ao despertar para uma vida sem propósitos, ela se vê entre outras sementes, percebe que entre todas que descansam é a mais bela. Ela, pequena e arredondada, tal como uma lágrima natural perdida de Deus.
Após um tempo de asfixiada espera, se vê jogada numa terra úmida e mal cheirosa, uma cama de perfumes íntimos recheada de nutrientes vigorosos ao plantio. Ali adormece e se alimenta.
Por todo seu desenvolvimento se dá por satisfeita. Sente em suas veias o carinho de seu glorioso mestre. A sensação de bem estar se prolonga por toda a plantação. Toda noite, em coro com suas semelhantes, agradece em oração aos nobres plantadores. Na última toada do dia todos repetem em salvação:
"Regai por nós, agricultores!"
Com o passar dos meses, na fertilidade anunciada, se vê forte e graciosa. Tratada como adulta, aguarda o momento de ser colhida por quem sempre lhe quis bem.
Na véspera de ser arrancada com suas raízes, de ver sua morada transformada em vazio, sonha com a mão que lhe deve tomar por inteira. Quer servir de alimento a quem sempre lhe alimentou. Imagina-se em possíveis pratos, em prováveis maneiras de ser saborosa ao paladar de seu amo.
Na manhã esperada a ansiedade lhe toma por inteira. Aos primeiros raios de sol já está nas mãos de seu amado. Guarda com carinho tal passagem. Se instala junto a outras espécies, outras verduras de diferentes formas e perfumes. Se acomoda no canto de uma caixa de madeira na certeza de seu propósito amanhecido.
Quando o sol, em seu ápice, indica a pausa merecida dos pobres humanos, ela e todas as outras partem. Se dirigem, num imenso caminhão, para a grande cidade. Sente uma dor pulsante, uma mistura de abandono e solidão. Não entende ser desprezada por quem sempre lhe quis bem.
Chega a cidade em meio a gritaria e poluição. Se vê oferecida e rejeitada na feira livre municipal. Acaba trocada por maçãs argentinas e segue seu novo rumo. Na determinada troca imagina ser levada por alguém de excelente prumo e gosto. Imagina um futuro apropriado à sua condição.
Fatalmente isto não ocorre. Assim que chega a uma quitanda, seu novo lar, é tratada com desfeita. Logo os funcionários lhe arruman defeitos de forma e coloração, eles esquecem de salientar o calor responsável por tais deformações. Devido aos ataques verbais é posta em promoção.
Novamente se vê sem opção. Relembra sua trajetória passada de mão em mão. Rejeitada pelos muitos que a trataram com negação. Numa bacia de plástico suja e desbotada permanece abandonada por todas as horas de uma tarde sem fim.
Assim fica até o fim do expediente.
Antes de se fechar as portas do inóspito estabelecimento é oferecida à primeira pessoa que parece ter fome. Uma dona de casa simples e carinhosa, uma mulher que lhe trata carinhosamente. Durante todo o percurso até sua casa, a mulher conversa sobre o saboroso jantar planejado.
Com muito carinho é lavada e escorrida. Na mesa posta é opção saudável e quase certa. Observa a voracidade de um jantar sem diálogos e mastigação. Mais uma vez é esquecida junto aos restos. Ela que na juventude fora a mais bela das sementes escolhidas e agora é figura rejeitada de um jantor insosso.
Num solitário fim se vê afogada numa solução de vinagre, sal e azeite.