Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



domingo, 26 de dezembro de 2010

Sobre Federico

Preciso de uma voz
que me fale por baixo
coisas que o mundo
não deve obedecer.
Preciso de ouvidos
que me escutem
no improvável
e na calada fantasia.
Preciso de olhos, outros olhos,
que os meus já se bastaram
no sereno cotidiano
infeliz.
Preciso de braços
que me alcancem
num abraço
ainda mais perto.
Preciso de um sorriso
espalhado em outros sorrisos
e que migram no espaço
interno de minha quase solidão.
Preciso de um velho coração
daqueles que apanharam
para o resto de uma vida
e não mais se abalam.
Preciso de novas intenções
pois as que me restaram
se tornaram caladas
e por fim não mais me servem.
Preciso de novas formas
de amor e solidão
que me tomem os sentidos
e esqueçam da razão.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Promessa

Serei o que quer que eu seja.
Serei o umidecer de seus lábios, o brilho de seus olhos e o soar em seus ouvidos.
Serei a espera em seu desespero e a chegada resumida em saudade.
Serei a origem de seu abraço e a necessidade de uma ausência explícita.
Serei a solução de seus soluços e o leve sopro capaz de mover inportunos cílios.
Serei fruto de sua imaginação e objeto de manipulação.
Serei sua figura de linguagem, sua concepção de malandragem, seu universo digno de passagem, sua percepção de nua paisagem. Serei o tudo além.
Serei o tudo em nós dois, sem tempos passados e futuros.
Serei seu ponto-cruz num infinito de possibilidades.
Serei seu epicentro, sua doce morada de anseios e frustrações.
Serei seu silêncio pausado que machuca e cura na necessidade alheia.
Serei sua manhã alnejada em semblante noturno.
Serei sua vontade de maneira recíproca.
Serei eterno ao seu lado e conveniente quando preciso for.
Só não serei sua boca após a outra.
Assim seja.

domingo, 19 de dezembro de 2010

História de um quase meio-dia

Aos primeiros olhos absorvidos pelo fim da manhã, me observa belo, impávido e intocável.
De perto, sente calada meus primeiros perfumes. Aromas que exalam, que satisfazem sua vontade escancarada, percebida na umidade recente de seus lábios.
Ao redor os outros passam, rodeiam, circulam e não percebem o doce saboroso imaginário bem-estar. No cenario gastronômico configurado, a vontade segue seu curso sem quaisquer armadilhas.
Enfim se aproxima, se entrega à deleitável rotina de me desejar, de me ter intimamente de maneira presente e sustentável. Suspira em minha fronte e por um instante teme suas próprias escolhas. Quer um todo, mas teme o pecado da gula.
Pela naturalidade adquirida decide-se.
Percebe a condição de minha inevitável tarefa. Com brilhos de um olhar pecaminoso me corta ao meio, busca em meu peito o sabor almejado. Meu espaço, agora vazio, escancara a ausência nobre de um sentimento, sou manipulção de saciedade e só.
Num gesto sedutor me carrega próximo ao seu ventre, segue tranquilamente com a certeza de suas escolhas. Escolhe, entre tantos lugares, um destino particular para o nosso encontro. Se acomoda silenciosamente, pensa no prazer irrefutável daquele momento e me olha passivamente.
Vagarosamente me leva à sua boca recheada de vontades e expectativas.
Logo após o primeiro corte nossa natureza se transfigura. As marcas de dente e a condição da mastigação voraz e implacável não me causam dor, elas apenas exaltam o possível de minhas qualidades.
E assim me torno seu alimento, seu laborioso almoço santificado em prazer, gosto e digestão.