Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Num quarto de hospital

Mamãe dorme.
E eu que queria
mostrar um desenho
feito
só pra ela.

Papai manda eu sentar
e fica lá
olhando pra ela.
Ela tem um semblante
que ainda o encanta.
Ele queria levar
seu semblante de novo
de volta
pra casa.

Na televisão
ligada bem baixinho
está passando
um jogo de futebol.
O time de vermelho está ganhando,
mas me disseram
que é insensível
gritar gol
dentro de um quarto de hospital.

Papai agora mexe
nos fios do cabelo dela.
Ela
às vezes
parece
retribuir com sorriso
o toque dos dedos seus.
Papai deixa
ao lado
depositado
na cabeceira
uma mesma lágrima
derramada
de ontem.
Diz que a ama
e esboça esperança.
Eu também a amo
mas não entendo
o motivo
de seu pranto.

Mamãe dorme.
E eu que não sabia
que ela iria
dormir
para sempre.

sábado, 12 de novembro de 2011

domingo, 23 de outubro de 2011

Esperança

Ela almejava
depois da última promessa vã
a tão conhecida
separação.
Não mais consideraria
a melhora
futura e utópica.
Não seria mulher de tempo.
Partir, para ela,
era não mais querer
voltar.
Deveria desabafar.
Arremessar o fardo
que lhe cobria
e pesava.
Talvez
fosse a vez
de sair e nada proclamar.
Um adeus silencioso
que ecoa
e ecoa
eternamente.
Decerto o magoaria.
Mas ele ali não estava,
devia estar naquele quando
só dele
que nunca encontrava
o quando dela.
Por muito tempo
ela guardou
e o aguardou
mais que o esperado.
Sentia a sua falta
desde o começo.
E ele só tinha
amor
para oferecer.
Era pouco.
Ela não sentia mais necessidade.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Coadjuvantes

Ele,
ainda jovem,
possuía todo o amor do mundo.
Grato em oferecer
e capaz de convencer
qualquer outro alguém.

Ela,
na flor da idade,
era precisamente bela.
Dona de um coração nobre
e de encanto singelo.
Capaz de guardar
qualquer amor que em seu coração
pousar.

Nunca se encontraram.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Ciclo

Órfão de pai
Órfão de mãe
Órfão de ti
e por diante
até ser de si.

sábado, 1 de outubro de 2011

Drama (No leito)

Pai, conheço teu drama:

Guiado por Deuses do mar,
amar e ter de partir.
Guiada por Deuses do céu,
amar e vê-la partir.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

3 fases de amar

Amar a todos como a ninguém
Ser amado por todos ou por quem convém.

Amar e assim ser amado
Ser amado sabendo amar.

Amar incondicionalmente
e nada mais.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O menino de Solidão

— E tu menino? Vens de onde?
— Venho de Solidão.
— E onde fica Solidão?
— Bem perto de Afogados.
...
— E quem nasce em Solidão? É como?
Solitude? Solidez? Solidense? Solidário?
Sólido? Solideiro? Solidano? Solitário?
— Ora veja, bem não é tudo isso, dito não.
Quem nasce em Solidão, nasce é só.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Amor tipo 2

É uma sensação que se desfalece
e que mesmo assim permanece
na ponta de dedos sonâmbulos
nos lábios de uma boca ausente
na memória de um par de borboletas
que repousam sozinhas no escuro
quarto de dormir.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Modus vivendi

Meu pai é sonâmbulo
e gosta de ficar nu.

Nunca vi homem
se vangloriar do corpo
como meu pai
de olhos fechados.

Possui conhecidos que não se incomodam,
simpatizantes e até seguidores.

Passeia pela ruas
à vontade.
Não se nota incômodo por onde passa.

Velhos pescadores noturnos,
quando meu pai passa,
tiram conclusões acerca do clima
e o aconselham sobre um possível resfriado.

Os bêbados do fim da rua
aguardam pontualmente sua chegada.
Imaginam se tratar de um anjo amoral
que dissemina a liberdade sem culpa.
Seguem fielmente seu anjo
até a volta pra casa.

As prostitutas do quarteirão de baixo
também esperam sua vinda.
Todas o cumprimentam
com enorme distinção nos lábios.

Quase se distanciando
ele retribui a gentileza.
Pisca levemente os olhos
e diz que volta sempre.

Retorna à casa, mas não ao quarto.

Segue em passos firmes
pelo corredor
e ao banheiro.
Deseja o frescor de um merecido banho.

Curiosamente tranca a porta
e fecha o vitrô.

Gosta do vapor que embaça o espelho
e de um pouco de intimidade.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Particular



E a menina no meio parou
dum terreno vazio e descampado,
dizendo ser ali um lugar sagrado
onde há muito vivia uma princesa:

Que numa noite toda pintada de anil
chegara em sua linda carruagem azul
acompanhada de seu príncipe de olhos vermelhos.

Que tinha longas tranças cor de abóbora
que mal cabiam em seu capuz amarelo.
E nos pés, preciosos sapatinhos violetas.

Que por causa de uma maçã verde,
oferecida por olhos maduros,
desapareceu e logo foi esquecida.

Ali fora o seu reino
e logo mais atrás o caminho de volta.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Dizeres

Ela sempre me dizia que pra falar não se pagava nada,
enquanto ele me falava que o silêncio nada custava.

Nas vezes que dizia, por ventura, meias verdades
ela ria e se divertia,
enquanto ele me advertia.

Em vezes outras que ficava calado
ele era quem assentia,
enquanto ela muito sentia.

Por fim, nunca soube ao certo o que fazer com as palavras.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Solidão

Despertou decentemente.
Apenas o silêncio vinha lhe fazer companhia. Percorreu os olhos num possível e nada encontrou, era a paz de uma manhã almejada.
Caminhou do quarto até a sala, e dali até a porta de entrada. Abriu a porta e não viu ninguém, era a certeza de da própria condição.
Retornou à sala e logo começou a escrever. De imediato percebeu que o ócio criativo requer silêncio, o silêncio de palavras para preenchê-lo, estabelecendo assim o fim do silêncio e do ócio criativo por palavras moldadas.
Queria conclusões, das absurdas às abstratas.
Por horas divagou e por poucas escreveu. Por vezes buscava uma palavra, por outras apenas inventava. Não havia controle ou qualquer tipo de objeção.
Pensou, entendeu, acreditou, estabeleceu, resolveu, sintetizou e se perguntou.
Seguiu seu raciocínio até não mais raciocinar.

Os dias passaram e a leve feição de alegria, vista na primeira manhã, não mais se notava.
Dentro de casa se sentia sufocado. Necessitava de um pouco de ar fresco, descontaminado. Saiu em passos largos e desenfreados rua afora, nada o impedia.
Chegou ao mais longe permitido para perceber que fugia dele, de suas idéias, certezas e sentidos. Não suportava sua própria companhia.
Voltou pra casa sem saber por quais próprios motivos, mas com esperança de desabafar. Abriu a porta e não havia ninguém.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sobre o medo da morte

Não há maior temor que o do inevitável, maior desprazer que o da insuficiência de tempo, maior incapacidade que a da distância, maior presença que a da falta.
Morrer: [Do latim vulgar morrere, por mori] Verbo intransitivo.
Perder a vida; falecer, finar-se, morrer-se, expirar, perecer. Abotoar o paletó, adormecer no Senhor, apagar, apitar, assentar o cabelo, bafuntar, bater a alcatra na terra ingrata, bater a caçoleta, bater a canastra, bater a pacuera, bater as botas, bater com a cola na cerca, bater o cambito, bater o pacau, bater o prego, bater o trinta-e-um-de-roda, botar o bloco na rua, cessar de viver, comer capim pela raiz, dar a alma ao Criador, dar à casca, dar a lonca, dar a ossada, dar com o rabo na cerca, dar o couro às varas, dar o último alento, defuntar, desaperecer, descansar, descer à cova, descer a terra, descer ao túmulo, desencarnar, desinfetar o beco, desviver, dizer adeus ao mundo, embarcar deste mundo para um melhor, empacotar, entregar a alma ao Diabo, entregar a rapadura, espichar, esticar a canela, esticar o pernil, estuporar-se, expirar, fechar os olhos, fenecer, ir para a cidade dos pés juntos, ir para a Cucuia, ir para bom lugar, ir para o Acre, ir para o beleléu, ir para o outro mundo, ir-se desta para melhor, largar a casca, padecer, passar a tira, render o espírito, vestir o paletó de madeira, virar presunto.
Não há pior morte que a do outro.

terça-feira, 10 de maio de 2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Lúcidos sonhos de uma noite sem sono.

Por dias seguidos não dormia. Sentia pulsar seus pensamentos, na noite, na cama que lhe acolhia em profunda solidão. Almejava as estrelas como teto, como um lar adoradamente distante. Sentia a noite aberta como agora o peito.
Atordoado por sua própria significação, pensava nas escolhas, as suas, as de outrem e as em comum.
Deitado, parecia eternamente partido, ficava a notar os fatos conjugados num tempo passado e se esquecia.
Queria um novo dia desvinculado de outros dias.
As horas pelas horas se arrastavam, a angústia se multiplicava em bom grado e sua feição se desfacelava em tristeza permitida, no escuro.
Quando em quando se sentia cansado e lamentava. Não entendia como podia não dormir um homem tranquilo.
Seu mal era a consciência.
Ao mal ele consentia.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

sábado, 16 de abril de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

As ocorrências vitais de V.

Naturalmente V. existia, vivia por ser sua única opção. Nos primeiros minutos da manhã V. apenas observava, despertava antes do amanhecer por estar farto de sonhos incompletos.
No primeiro gole do dia, uma xícara de café preto, sem adição de açúcar para assim acostumar seus lábios ao sabor amargo de rotina.
Antes de caminhar para um provável regresso, fumava seu único cigarro do dia. V. não mais gostava de fumar, mas não aceitava seu gosto pelo vício.
Solitário, aceitava sua condição vagarosamente, saberia de sua valia ao final da vida.
Saía descalço por entre as ruas de terra batida, seguia por entre falsos passos num desejo íntimo de partir. V. sabia que esta terra, herdada por seus pais, representava o sossego, o destino que o indicava permanecia.
Antes de voltar para o almoço na cantina em frente à sua casa, degustava boas doses de aguardente, sentia no íntimo o alívio de possíveis pesares.
Almoçava sob os olhos da labuta alheia. Há muito na cidade fofocavam sobre as ocupações de V., que de fato eram nenhuma.
Logo após o almoço ia correndo ao ribeirão, deleitava-se sobre a sombra morna de uma jabuticabeira.
Nos dias de chuva, V. é o primeiro a se dirigir a um abrigo, sente nas mãos gélidas o descarrego em fúria das águas, sente calafrios que o percorrem por inteiro.
No regresso para casa caminhava como se não houvesse amanhã, ontem e hoje. Andava devagar, no meio da rua principal, distribuindo sorrisos tímidos de quem tem muito a esconder.
Enquanto a cidade se preparava para a missa das cinco, V. buscava sua salvação no consultório de seu único amigo.
Quando este lhe diz que V. está terminantemente doente, abre um sorriso demasiadamente surpreendente.
V. sabe que com esse diagnóstico não há motivo para se preocupar com a vida.
Ele agradece e sozinho espera.

terça-feira, 1 de março de 2011

Rayuela

Estamos no céu em busca de artifícios que nos despeçam do paraíso. As casas se alinham em construção horizontal, é possível visualizar o caminho a ser percorrido sendo o infinito uma promessa de bom grado.
Temos uma pedra na mão. Pedrinha, pedríssima, passaporte encantado necessário à entrada das casas. Jogamos a pequena pedra que voa, pousa, informa a casa entrante que ela não será pisada, incomodada.
Na linha de frente a primeira casa. Temos em vista pulá-la para depois seguir. A ordem dos passos é singular e gera desiquilíbrio. Pulamos a casa e seguimos em pé em frente. Só voltaremos a ver a casa na ordem oposta e nos moldes de seguir e pular.
Voltamos ao início.
Da linha de partida se vê a segunda casa, levemente miramos a direita, acertamos e desviamos. Segue-se um caminho mais fácil, sem esquecer de recolher a pedra na casa atingida.
De novo, de volta, voltamos.
A terceira casa é tão próxima quanto a segunda, apesar de permanecer alinhada à casa anterior é terceira por opção destra do arquiteto civil. O caminho se assemelha à volta anterior, com a relevante ação de não se desiquilibrar na casa canhota.
A quarta casa exige confiança e cálculo. A simples vertente da reta provoca arrepios aos jogadores oblíquos. Numa parábola perfeita, por ser a parábola a perfeição do ápice e da queda, o objetivo é alcançado, atingido.
Caminhamos lentamente nas três primeiras casas, pulamos o abismo da quarta, seguimos ao topo e logo voltamos. A passagem segue de maneira corriqueira.
Na quinta casa o sucesso depende do rolar improvável da pedra. Pequenina pedra que rola querendo ser roda e para percebendo ser pedra. Um, dois, um, pequeno desvio, ir, volver, recolher, recolhemos.
Na sexta casa as impressões se configuram. Lembra, em ordem inversa, os vestígios de casas passadas. O caminho que estabelce o fim se refere ao início. De novo passamos em passos novos.
A sétima casa, de concentração exagerada, exige a precisão do lançamento, mirada por míopes olhos que necessitam da mão. Com o sucesso obtido os passos seguem naturalmente em sua firmeza adquirida.
Neste momento a cautela se transforma em euforia, as primeiras desconfianças inexistem na progressão dos estágios. O provável fim se distingue do ínicio pela proximidade adquirida.
Na oitava casa a dificuldade se exacerba antes mesmo da tentativa. o peito ofegante altera o equilíbrio manual, suores diurnos enaltecem o desafio. A pedra atinge o vazio próximo e rola, rola rumo ao seu destino de pedra. A satisfação é percebida no sorriso dos jogadores.
Na nona casa surge a pressão sobre a repetição em novos parâmetros. Novos suores, alguns tremores, nova tentativa e o previsível sucesso.
Enfim e por fim se chega à décima casa, apogeu de objetivos íntimos e pessoais. No horizonte riscado se calcula a fusão do reto e do imaginável, um sob exigência necessária do outro. O ponto de chegada partido do início.
Um passo, dois passos, passo, passos, mesmo, mesmos, um pulo e o abismo. De volta ao início o fim da brincadeira.
Nos resta o silêncio e a volta pra casa.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Distância

Na primeira vez, na exatidão de sentimentos mútuos, nossos olhos se fundiram, se tocaram distantes e infinitamente próximos.
Sem a necessidade de palavras decoradasnos aproximamos. Tínhamos como cúmplice silêncio, e destoávamos.
No encontro seguinte nada esperávamos, conexos sentimentos se interligavam naturalmente, os olhos se compreendiam recíprocos e inevitáveis.
A certeza se prolongava na união de olhares que, mesmo escondidos, precediam o propósito de um beijo.
Num gesto só éramos e estávamos.
Os dias seguiram decerto incertos. Certas palavras provocaram uma distânci ainda inédita, sobrou a lembrança de nossos antigos olhos que se fundiam no silêncio absoluto, no silêncio encontrado em passagens longínquas.
Nos víamos para entender detalhes e nos esquecíamos do perceptível. Na busca de um beijo, a recusa se configura numa fuga indesejada, a distância se modificara em rotação. Os olhos buscavam em vão a resposta dada em silêncio.
Um novo ano chegou deixando os vestígios num tempo passado.
A distância estabeleceu diferenças nunca notadas. Éramos os novos habitantes de um mundo que sempre acaba.