Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



quarta-feira, 27 de junho de 2012

Bem de longe

Da primeira vez
que a vi,
com o coração
em sugestão adolescente,
quis mostrar
de todo
o meu possível.
Quis provar ser capaz
de enfrentar
os males da terra,
de blasfemar contra
os céus
para vê-la
novamente.

Da segunda vez
que a vi,
com ar decidido
e vanglorioso,
quis oferecer
os mais belos e finos
poemas,
os mais eloquentes e amadurecidos
elogios.
Tentei retratar,
em parcas palavras,
a diante
e imensurável
beleza.

Das vezes seguintes
que a vi
a vi.
Contentei-me.
Percorri com olhos servos
seus breves
passos,
galanteios e manias.
Movimentos
de inconfundível
elegância.
Vivia
quando
a via.
Morria
quando
me faltava.

Dessa maneira
seguimos:

Podendo amar
sossegadamente
meu amor
que nunca
ousou
demonstrar.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Necessário amor

Na presença de ambos
o amor era evidente.
Havia ali
a simplicidade
dos amantes,
nada mais.
O presente maior
era a certeza companheira
de um
e de outro.
Viviam a felicidade teórica.
Amar a quem ama.
Porém,
teimavam em amar
cada um ao seu modo.

Ele tinha,
de coração,
um amor de criança.
Pedinte e grato.
Exigente e santificado.
Ela era o amor.
Ela era o bastante.

A condição de amor
dela
era diferente.
Distante da proposta
do próprio amor.
Culpado e febril.
Dilacerado e sonhador.
Atrelava a perspectiva de amar
a buscar sempre
o que ali já estava.

E com o tempo
não mais se entendiam.
Não mais entendiam
o pretexto
que os unia.

Se distanciaram
mesmo entendendo
que ainda havia
amor.
Sabendo que
decerto
não amariam outrem,
foram cuidar do amor
de cada um.

Amavam
sem querer
e não notavam
a necessidade
do outro
amor.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cansado amor

Acordaram
quase num mesmo dado momento
e não se notaram.
Sequer
foram capazes
de oferecer
gentileza.

Ocupados
em suas práticas particulares,
se cruzaram
diversas vezes.
Movimentos milimétricos
de um balé
solo e singular.
Era como se a intimidade
escorregasse
por entre os vãos
de prazeres passados.

Saíram à rua.
Cada um
para o seu lado,
cada qual
com seu problema pessoal.
Ambos em busca
de um futuro melhor
juntos.

...

E o amor,
cansado
de não ser notado,
também almejou
um futuro melhor.

Partiu
e foi dar seu lugar à tristeza.

domingo, 17 de junho de 2012

Natural estranho amor

Por vezes,
incessantes,
a mim
pedi.

fique
se aconchegue
more
se demore
um pouco mais
só um pouco mais
esteja
seja
permaneça
se derrame
se espalhe
se contente
me contente
pelo o amor de Deus
pelo amor dos seus
fique.

E todo dia você partiu.

Só quando eu disse vá
que você quis
por você
voltar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sobre a impossibilidade de ser infiel mesmo tendo passado a noite num bordel

Por ora
queria apenas amar um corpo
que não o seu.
Sentir o pesado aroma
de outros amores
em meu corpo.
Sentir a graça de novos toques,
prazeres recentes
fatigados
até o prazo final.

E é nesses dias
que rememoro a condição
de lhe trair
ou trair a mim
mesmo.

Assim me entrego
de corpo
e a alma
que pensa,
em meio ao auge de desejo,
na compreensão
alheia.

Seguir meus instintos
é me deixar ser
o que sou
para melhor ser
o amado
que deseja que eu
seja.



quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ordinários

Primeiro,
segundo disseram terceiros,
ela o havia traído
sim,
naquele mesmo quarto
em que dividiram
enredos e descasos.

Restava no peito
a melancolia
que se multiplicava em copos cheios.

Depois do quinto copo
resolveu tirar
satisfação.
Desceu correndo
às escadas,
do sexto andar,
soluçando e solucionando
a cada degrau.

 Resolveu seguir a pé,
caminhar pela Sétima Avenida,
atrás de melhores perspectivas.
Não contava com a multidão
incomum ao horário.

Esquecera que a Seleção
avançara às oitavas do qualificatório mundial.
Cortou caminho
por ruas nunca antes percorridas.

Avistou na esquina
um restaurante familiar.
Precisava de um tempo e resolveu entrar.

Na Cantina do Nono,
um resultado inesperado.
Bem ali
na frente de todos,
sem pudor,
o casal.

Um par
que não ela e ele.
Era outro e ela.

Desse mal padeceu.
E desde então
se sente
um zero à esquerda.