Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Árvore

Eu era
uma vez
a árvore
que ali estava.
A primeira
a estar ali.
A ser
antes de outros
seres
se instalarem.

E por belos
muitos anos
fincada
em raízes profundas
permaneci.
Sendo a razão
de frutos e sombra,
provas de amor
em rabiscos fortuitos,
a memória
viva
de diversas gerações.

E é exatamente
porque vi
aqueles todos
que por aqui
viveram
que sei
de meu inevitável
fim.
Tragédia estipulada
por um falso
progresso.

Por vezes
penso:
Onde estarão
as azáleas,
rosas,
violetas,
orquídeas
e camélias?
Em troca
de tais perfumes
apenas
algumas placas
indicando direções
a cada esquina.

Soube,
por outras fontes
escassas,
que ao caso
de minha partida
serão plantadas
outras tantas
mudas
de minha espécie.
Não quero
ser mártir
de uma geração
que não saberá
de seus antepassados,
que será vista
em redoma
e quase em extinção.
Não quero ser
a razão
de boas ações.
Quero
as boas ações
em razão de ser.

Partir e partir.
A razão dos homens
sobre a natureza.
Devo
ou devem.
Simplesmente.
Tudo
para um passagem
de um carro
que fatalmente será
substituído por
outro carro
e assim por diante.
Até que
percebam
que não há mais
espaço
para carros.
Que a solução
está
no ar puro
das espécies,
das árvores,
do ser.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Sobre a impossibilidade de se apaixonar até o instante seguinte

Gostava
quase que exclusivamente
de se apaixonar.

Cruzava
constantemente
seu olhar
com os de outro
alguém.
Lentamente
passava as horas
em busca
explícita
de novos amores.

E esses surgiam.

Todos em vez
única,
todos em vez
singular.

Vinham
para saciar
a vontade,
a ansiedade,
a acalantar um coração
que fatalmente se partia
que escorria
feito seiva
entre as mãos,
em dedos que se encontravam
e naturalmente
se despediam.

Mesmo assim
vislumbrava.
Sentia
logo nos primeiros instantes
a necessidade
de estar
além de ser,
e dizia
para seu novo amor
as mais belas fantasias
de um futuro
em essência.

Roubava um beijo
e quando este
lhe parecia morno
desistia.
Resistia.

Gostava
quase que exclusivamente
de se apaixonar,
o amor era outra questão.

Pequena

De tudo que conheço
você é meu começo,
meu desleixo,
meu caso e descaso,
meu por fim.

Minha dádiva onírica,
anjo dominical
de verdes olhos
que repousa
silenciosa
em meu sono.

Minha percepção de
tempo
espaço
conteúdo.

Meu significado
significando.

E até mesmo
quando
falo
de um amor
que não nosso.
Do fervor
de outros corpos,
cheiros
de meus anseios
descomedidos,
tenho em mim
você.
Juro que sim.

Quando falo
de alheios
amores brutos,
diferenciados
pela intensidade da dor,
esse amor
não espero,
não reconheço.
Do amor
só se conhece
quem possui.

Diante do mundo
que me é sagrado,
sou o que me faz
ser e pensar.
Minha única concepção
de amor
de amar.

Deve ser o amor

Deve ser o amor
que transforma o estado de espírito
em modo de vida.

Deve ser o amor
que faz sua distância insuportável,
incoerente e lamentável.

Deve ser o amor
que acelera o peito, saliva e boca
e implora um beijo.

Deve ser o amor
aquele que impulsiona
e devora.

Deve ser o amor
que releva as manias presentes
e os vícios atraentes.

Deve ser o amor
uma força maior, conjunção dos corpos,
desenlace de um encaixe.

Deve ser o amor
que torna suas promessas, ainda imaturas,
em um futuro plausível.

Deve ser o amor
que pinta seus olhos na mais bela
das paisagens.

Deve ser o amor
que deixa esse perfume e se deixa
levar.

Deve ser o amor
que faz de meu desejo um  presente
que sempre há de chegar.

Acredite amor
deve ser o amor.
Pois se não for,
deve ser você.