Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



terça-feira, 8 de junho de 2010

Da janela

Na mesma hora de ontem e dos dias que se seguiram invertidos, Joaquim se debruça confortavelmente na janela para novamente poder ver o jogo de bola que acontece na rua.
Nem se fez a digestão do almoço, os meninos se dividem em dois times, riscando linhas nos paralelepípedos que se estendem e se extendem até o esconder do sol. Os uniformes se alinham em com e sem camisas. Nem mesmo a previsão da semana é capaz de desorganizar as regras das vestimentas.
Joaquim, do alto de seu camarote, aguarda anciosamente o começo do jogo. Se sabe que o menor dos jogadores é o mais habilidoso e que os dois maiores são mais valentes que eficentes. Os outros se variam na formação dos times.
As marcas desgastadas das guias são ruínas de outra geração. O suor de pais, tios e conhecidos perpetuados no decorrer de décadas.
Sentindo certa ausência, Joaquim olha para o retrato gravatal de seu pai. Na foto não há qualquer sinal de que um dia, em sua trajetória, tivesse o que chamam de infância.
A algazarra começa antes que as perguntas lhe brotassem despertas. Na rua um assovio que indica o gritar de uma mãe sobre a lição que não fora aprendida, uma nova medição do gol adversário, um leve deslanchar de tijolo, meio passo, e um princípio de confusão. Todos olham a bola e o jogo começa.
Joaquim se imagina num desenrolar de alegria despojada. O menor dos futebolistas demonstra, concorre, abusa de sua superioridade. Na janela, orgulho e simpatia admirada.
No lado de dentro do apartamento a mãe tem um coração partido, fica a olhar o menino que agitado se assemelha ao pai. Se emociona e se vangloria por qualquer partida. Sofre sozinho ao gosto das derrotas.
Mais um pouco. O jogo acaba e o sorriso de Joaquim também.
Nostálgico, tenta se contentar com a partida do sol.
Inesperadamente um pássaro azul pousa no plano chumbo do parapeito. Observa e se deixa observar de dentro, por entre o vidro levemente embaçado.
Num gesto particular, como se pudesse lhe oferecer companhia através de um mimo, a mão pede ao filho que deixe o passarinho entrar. O menino não acha boa ideia, diz que se sente melhor observando, gesto propriamente materno e sanguíneo.
Calado e um pouco cansado, ele se retira da frente da janela, se afasta para amanhã, após o almoço, retornar.

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