Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O menino de papel

No sertão de um país sem igual, Canson vivia sossegadamente com sua família, amigos e conhecidos mais. Moravam num lugar onde todos os cidadãos eram de papel, e por isso o nome: Vila dos Papéis. Estrategicamente localizado no interior da seca, longe das terríveis chuvas que assolavam o país.
[sertão, céu azul]
Sobre as chuvas e tempestades, Canson sabia apenas do que vinha de fora. Sabia dos horrores de São Paulo, terra da garoa e dos perigos do Rio de Janeiro, da Baía de Guanabara.
[cidade, céu cinza (nublado)]
Na Vila dos Papéis o tempo seguia em paz. Num absoluto céu azul, todos, sem exceção, viviam em harmonia e felicidade. Os mais velhos pregavam a união com respeito recíproco de seus semelhantes. Os mais novos gostavam de andar sempre juntos.
[bonequinhos à moda Criança Esperança, mocinhos e velinhos]
Por vezes, quando tinham de sair para uma cidade vizinha, por algum motivo ou outro, Dona Cartolina, mãe de Canson, repetia sempre os mesmos atos. Beijava o retrato de seu falecido marido, que serviu a nação como A4 na Guerra de Canudos, e ia estender rapidamente seus vestidos mais bonitos no varal.
[um retrato na cabeceira e um vestido no cabide]
Respeitando uma lenda vestuária antiga, do tempo do Império do Sol, o estender dos vestidos no varal era um pedido aos céus e à falta de chuva. Um eterno desejar de tempo seco capaz de preservar seus lindos e preciosos vestidos.
Toda vez que voltava pra casa, D. Cartolina via nos vestidos secos a realização de suas vontades.
[um grande sol e um varal que percorre o quintal, o vestido em destaque]
Na vila, na seca, na morada nada de chuvas ou trovoadas. Mas para Canson nem tudo era calmaria e tranquilidade. Pelas últimas notícias parecia ter um futuro bem nublado. Sentiu, no peito, uma tristeza amarga e cinza.
[Canson, no peito um coração cinza]
Sua amargura era pela partida de sua amada, de sua bela namorada, sua dama perfumada. Seu amor que então partia. Por vontade da família dela, Canson e Crepon iriam se separar.
[a namorada de Canson, Crepon]
O pai dela, autoritário e mandão, queria que Crepon fosse estudar nas grandes cidades. Queria que ela fosse morar com um tio plastificado que sempre mantia contacto.
Para ele, Crepon deveria ser mulher de Letras. No fundo, no fundo, ele fazia o melhor em seu papel de pai.
[letras com diferentes formas, sobrepostas, com diferentes cores e papéis]
Quanto mais perto da partida de Crepon, mais notícias chegavam, vinham feito tatuagens nos corpos das belas cartas. As mais exibidas e viajadas possuíam até selos marcantes de suas passagens pelo mundo.
[inúmeras cartas de diversos tipos e tamanhos, com selos de lugares diferentes, preferencialmente lugares secos]
No dia da partida, Canson e Crepon se emocionaram muito. No abraço apertado que deram, deixaram escorrer solitárias lágrimas que se cravaram no ombro direito de cada um.
[imagem deles se abraçando, no ombro dela (único visível) a marca da lágrima {metade de um coração}]
Na noite que seguiu o dia, Canson não conseguia dormir. Sentiu uma imensa vontade de chorar, mas não podia. Queria, mas tinha medo de se desmanchar em suas próprias lágrimas. Passou as horas pensando na felicidade simples que parecia distante.
[menino na cama, janela aberta, estrelas na noite]
Nem bem amanheceu, ele tomou uma decisão. Saiu à rua com o único objetivo de trazer sua amada de volta. Partiu com pressa, sem dar explicações ou dizer adeus.
[quarto vazio, as coisas do menino deixadas para trás]
Com o sumiço do filho, Dona cartolina se desesperou. Com o pequeno post-it bebê no colo, foi logo avisar as autoridades.
Guarda Napo imediatamente se prontificou, para ajudar a família saiu em busca de Canson.
[D. Cartolina com post-it no colo e Guarda Napo ao lado]
Depois de muito caminhar, o guarda Napo finalmente encontrou o jovem fujão. Numa estrada deserta, viu Canson abraçada com seu único e verdadeiro amor.
Mesmo de longe conseguia ver sorrisos recíprocos de um amor sem igual.
[um caminho e o casal apaixonado]
No abraço dos dois, um sinal de que nunca deveriam ter sido separados. Novas lágrimas, desta vez de felicidade, se perderam e se desprenderam dos enamorados olhos. Escorreram devagar, uma lágrima de cada, percorrendo um caminho traçado anteriormente.
[metade do “coração” se completa, surge a tatuagem de coração no ombro de Canson e Crepon]
Nos corpos uma marca, enfim, completa. Nas lágrimas que juntas desenharam um coração, as emoções da partida e da chegada. No encontro reencontrado, a certeza de uma estrada rumo à felicidade.
[a figura do casal no caminho, o sol abençoando o casal, efeito angelical]

Um comentário:

  1. Nossa, que gracinha! Teria sido um típico final feliz se você não tivesse criado esse brilhante universo de papel.
    Ri muito do "Guarda Napo", genial!
    Parabéns pelo conto, cara, tá maravilhoso.

    ResponderExcluir