Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



sábado, 17 de abril de 2010

As Moedas

A escolha era dificílima, embora seu efeito ser basicamente o mesmo independente à opção. Distante no tempo, ficou admirando as moedas em sua escrivaninha sem conseguir, de fato, obter a escolha perpétua e sensata.
Juntas, mais a direita do empoeirado objeto, as moedas de dez, cinco e um centavos, esquecidas pelo tempo e desvalorizadas pela economia. Essas moedas, há muito, habitavam a superfície destra da madeira sexagenária.
Na palma da mão esquerda, sua segunda opção: uma novíssima moeda de uma real, força de nossa administração e que, certamente, padecerá com os anos. Muito entusiasmo e pouca função, seu brilho transmitia uma sensação de encanto, tal qual uma igreja do nosso século.
A decisão entre as moedas e a moeda simbolizava, em um dos lados, sua liberdade egoísta, não mais veria aquelas velhas de baixa fisionomia. Se livraria delas num ato, livre de qualquer culpa ou modéstia.
Do lado singular, a praticidade e suas implicações cotidianas. Se optasse pela moeda única todos os dias (considerando que haja uma moeda de um real disponível a cada dia) segundos, minutos, horas seriam economizados. Os tempos terríveis da primeira contagem e sua repetição na mão de outros, que se sucedem nas grandes cidades, seriam trocados por gestos de obrigação.
O fato ruim desse passeio utópico seria ver seu pesadelo cada vez mais próximo. Havendo troco para a única moeda, novas velhas moedas seriam entregues, seus bolsos se tilintariam a cada instante e a tomada econômica na margem direita da mesa iria logo se expandir. Os inimigos são capazes de se imaginar até em seus bolsos.
Tentando obter sucesso, resolveu mudar a pespectiva sobre a trama. Imaginou o momento da entrega das solidárias miudezas. Ao certo, não sabia se conseguiria chegar ao seu destino com as moedas no bolso, tinha fama de perdedor e péssimos hábitos maltrapilhos.
Pensou também nos momentos que precisou de troco, em quantos já vira reclamando em estacionamentos públicos, festas beneficentes ou liquidições chinesas. Sua opção seria adorável, ajudaria aos que necessitavam de poucas moedas.
Como se a pobreza carregasse em si outra pobreza, pensou nos que, ao invés de pedir troco, pediam trocados. Amargurados miseráveis que lutam por sol, calor e uma boa noite de sonhos.
Voltando à cena da entrega do dinheiro, pensou que quem recebesse o montante de pequenas moedas poderia ter uma impressão equivocada de sua condição social. O receptor olharia com desdém as corrompidas economias (por mais que precisasse delas) e logo tal sentimento se dirigiria a ele. Infeliz primeira impressão que julga e olha simultaneamente.
O desdém pelas moedas o fez lembrar de um antigo amigo seu. Em tempos mais modernos o amigo lhe dissera que não suportava carregar moedas e destilava toda a sua fúria aos que praticavam tal exercício com maestria e sutileza.
As moedas, dizia o amigo, são os fantasmas da economia, os restos jogados aos pobres, literalmente pobres, seres humanos. Pagar com moedas significava a pobreza de espírito de quem efetua e a implacável miséria de quem recebe.
Sabia que não podia negar o absurdo da conduta do amigo e considerava que não possuía moedas suficientes para se tornar um bom cristão. Novamente se deparou com o contato social em suas mãos. Sua simples opção de gasto se tornara numa apropriação de caráter.
Olhou novamente para as moedas e decidiu por ficar em casa. Não mais se preocuparia com a economia, não àquela hora. Ficaria só com a razão.

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