Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



terça-feira, 20 de abril de 2010

O homem em seu lugar com sua dor

O lugar era exuberante, pelo menos parecia ser na exatidão do olhar.
Sua perna direita se esticava perfeitamente ao comprimento do espaço, sua perna esquerda, levemente dobrada, se articulava por espasmos, movendo-se lentamente de acordo com o peso que carregava em seu colo, normalmente livros ou revistas.
Suas costas permaneciam coladas à parede, paralelamente verticais à coluna. Funcionaria com perfeição arquitetônica não fosse a leve dor na parte inferior direita, encostada ao rodapé. Nada suficiente e que o fizesse desistir de sua preferida posição.
Os dias descorriam satisfeitos naquele mês de férias. Os raios de sol tocavam-lhe o peito para depois escorrerem até seus dedos e depois se descobrirem na imensidão do chão e correrem, correrem até se perderem na escuridão. Todos os dias transcorriam enamorados, o homem e o sol em perfeita sintonia de horários e ocupações.
Nesses tempos de sossego desacostumado, por vezes choveu. Chovia uma chuva fina, pouca, refrescante, o bastante para molhar o recinto, revigorado mais tarde por seu companheiro astral. Nesses dias não retornava ao lugar, mas para o dia seguinte tal escolha seria vital.
Na despedida da primavera demorou-se um pouco mais, resistiu na implicação da escuridão para sentir mais de perto o aroma que inebriava das flores e toda a sinfonia da constante ausência de sons. Mais tarde um leve resfriado tomou-lhe o peito.
Os meses se passaram em equilibradas estações enquanto ele trabalhava, se ocupava e se esquecia. Por diversas vezes passou em frente ao lugar concebido ao seu descanso sem conseguir o tempo necessário de volta ao lar.
Continuou em seu destino até novamente chegarem as férias. Bendito seja o sétimo dia em trinta. Bendito seja o cansaço para que haja o descanso.
Na manhã do novo primeiro dia logo se dirigiu ao lugar, mal abriu os olhos seu pensamento implorava pela busca do horizonte. Permaneceria horas a vagar no vazio dos dias, passeando num mundo sem problemas e sem soluções. A doce vida.
Antes que sua visão pudesse captar o infito, sentiu as flores que exalavam um cheiro forte de saudade que penetrava pelos poros de seu rosto dando-lhe pequenos beijos. Sorriu de forma permanente e se acomodou. Virou-se um pouco, mexeu-se pra lá, remexeu-se pra cá, mas fatalmente carecia de algo.
Nas bandas esquerdas dores novas e suspiros de desconforto. Nas bordas direitas, no peito do rodapé, lhe faltava o incômodo da leve dor passada. Nos altos caminhos da coluna novas dores concorriam aos extremos.
Com paciência inusitada começou a chorar em frente ao seu Éden interior. Uma forte dor de cabeça começou a lhe tomar o raciocínio, seus pensamentos se perdiam numa lembrança saudosista de um lugar que o tempo levou. Uma substância amarga, carregada de saudade subiu-lhe a boca.
Em pé, permaneceu em seu espaço, contemplando em fotografias mentais um tempo em que o infortúnio maior era uma leve dor. Tempo em que a dor e seu corpo se respeitavam mutuamente.
Em demasiada contemplação sentiu-se só num lugar vazio. Se recolheu mais cedo à escuridão para esquecer das novas dores que o tempo trouxe.

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