Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



quarta-feira, 7 de abril de 2010

Bodas de Abandono

Celebro hoje cinquenta anos de casado, bodas douradas pela dignidade da velhice. Uma fase da vida aplicada em distinta agonia e satisfação.
Celebro a concepção de uma família perfeita, o amor de minha mulher para seus filhos e netos, para amigos e agregados. As ocupações diárias nos fizeram estacionar nosso amor nas bodas de papel.
Os presentes nos olham na sala de jantar, permanecem numa tristeza afável, percebem a velhice e o eficaz trabalho do tempo. Sorriem e contemplam a estrutura límpida da festa, uma paisagem ímpar de um retrato ou fotografia.
No momento alto da festa os convidados se exacerbam, genros e noras se embebedam, copiando a educação abençoada dada por mim aos meus filhos e que serviu como base à compreensão da sociedade em geral.
Observo diretamente a figura de minha esposa, olho atentamente suas feições e trejeitos. Seria tolo de minha parte acreditar que a beleza de meio século permanecesse, que o vislumbre do espelho se perpetuasse, que seus singelos delírios continuassem a me embriagar.
Agora, mais de perto e sem as desculpas íntimas ou preciosas ocupações, percebo suas maçãs do rosto já cansadas, amadurecidas em demasia e avermelhadas pela nostalgia alcançada.
Seus olhos não demonstram os efeitos de uma vida, também não demonstram vontade sobre o novo que se abre, apenas passeiam vagarosamente para fora dali, aguardando a chegada dos meus numa única mostra de fidelidade absoluta, a fuga desejada sobre o marasmo admirado.
Celebramos nesta data par, um amor cúmplice, um amor para o outro vindo de ninguém, um amor tomado pelo filho, pelo neto, pelo tédio e pelo vago. A construção de uma união no deslocamento gradual do amor.
Há muito que celebramos o amor do próximo, a vontade do alheio, a cruz pesada de um ciúme implícito. Murmuram, os outros, sobre a minha felicidade, a minha e a de minha mulher, mãe de outros, amiga de alguns e Eva nos autos.
Não há conclusões sob o olhar estrangeiro.
Agradeço, em pausada voz e sensibilidade, aos que compareceram, aos que muito amo e aos que nem tanto. Agradeço os que representam e celebram minha solidão escondida e que estarão, igualmente, na concepção de minhas bodas de alívio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário