Quando sabe-se menos.

A partir do momento em que a significação surge nas palavras de um texto, na exata precisão de ideia, nasce a sabedoria. A leitura, a elucidação e a compreensão provocam a emancipação da sabedoria alheia. Trata-se então da sabedoria íntima que se subtrai, uma concepção pessoal que acaba de ser preenchida por outro, uma possibilidade de vislumbre inédito que se anula, desaparece. Então, quando isso ocorre, estamos a saber menos do que o nosso egoísmo idealizou.



sexta-feira, 21 de maio de 2010

Infância

Desde pequeno sofri por más interpretações de sentimento. Tentei, no fundo de meus prazeres, corresponder ao máximo de todas as expectativas credenciadas.
Me lembro que, ainda no elementar, fui coroado como melhor multiplicador da classe. Imbatível nas vezes do sete e do nove, acertador de dez entre dez perguntas, atingindo o possível do possível.
A tarde se notabilizou em festa por mim, o anfitrião e meus convidados, numa mistura de euforia e felicidade. Caminhamos de volta, radiantes e aconchegados.
Cheguei em casa carregado de elogios e até um doce ganhei da tia da cantina. Sentado na poltrona da sala, meu pai aguardava, decorando o conhecido sermão dos atrasados.
Num olhar meu sorriso se escondeu. Ouvi em pé à porta, alguns minutos de sabedoria que me fizeram calar o orgulho. Senti em primeira instância a dor da perda.
Com lágrimas nos lábios justifiquei os acasos do tempo por meus motivos e tirei do bolso o papel do doce já todo amassado. Faleci na aparência de um egoísmo. Olhou-me com olhos de rei e ordenou que eu fosse ao quarto.
Nas competições que se seguiram, errava em quando desse a hora, por volta das cinco, ciente de meu prejuízo. Voltava sozinho pra casa.
As tardes assim se seguiram, até que, enfim, perdi o gosto.
Na ausência de habilidades me tornei conhecido por ser filho dele. Por todo o caminho surgiam saudações ritmadas pela cidade e a cada saudação uma nova sensação de falta.
Ainda nos períodos infantis, numa noite de festa, ele se fez alegre e sadio. Encheu-me de elogios atrasados e comemorou todos os meus motivos e planos. Um leve desenhar sorridente surgiu em seu corado rosto. Dormi sem sonhar para não sobrecarregar o cronograma.
Na manhã seguinte, o velho ranzinza emblema. Olhou-me por cima dos óculos e exigiu silêncio. Ainda tive coragem de dizer que o amara na noite anterior, sem ressalvas. Mandou-me calado ao silêncio.
Vivo com ele até hoje.

Um comentário:

  1. Meu querido, li e reli várias vezes este texto e, é com lágrimas nos olhos, que escrevo estas breves palavras. Ele era assim e te tratava assim, para que crescesses forte e vigoroso, como ele entendia que deveria ser um homem. Nada de lágrimas (pois um homem nunca chora!) nem de fraquezas. Mas ele te amava muito e tinha muito orgulho em ti. Me recordo de alguns episódios que presenciei e que o critiquei e era o que ele me respondia. Sei também que foi assim que ele foi educado por seu pai...

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